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quarta-feira, maio 10, 2006

Capítulo 10s

O Céu


É preciso Que desperte a sua fé. Então tudo ficará estacionário; Os que consideram algo ilegal. O que faço, deixe que se afastem. SHAKESPEARE. Winter's Tale.
Mergulhado na profundidade da tua misericórdia, permite que eu morra. Aquela morte que toda alma que vive almeja. COWPER, extraído de Madame Guion.
Contudo", disse o apóstolo Paulo, "aquilo que sofremos agora é insignificante, se compararmos com a glória que Ele nos dará mais tarde."1 Se isto for verdade, um livro sobre o sofrimento que nada diga a respeito do céu estaria omitindo todo um lado da história. As Escrituras e a tradição habitualmente colocam as alegrias do céu na balança em contraste com os sofrimentos da terra, e qualquer solução do problema que não faça isso não pode ser chamada de cristã. Nós nos envergonhamos hoje de falar do céu.
Temos medo que zombem de nós e de que nos digam que estamos tentando "escapar" da tarefa de fazer um mundo feliz aqui e agora, envolvendo-nos em sonhos de um mundo feliz noutro lugar.
Mas, ou existe ou não existe uma "torta no céu". Se não houver, então o cristianismo é falso, pois esta doutrina faz parte integrante da sua trama. Se houver, então esta verdade, como qualquer outra, deve ser enfrentada, quer seja útil ou não nos comícios políticos. Temos também medo de que o céu seja um suborno, e que se fizermos dele nosso alvo não mais poderemos mostrar-nos desinteressados. Mas, não é assim. O céu nada oferece que possa tentar uma alma mercenária. É seguro dizer aos puros de coração que eles verão a Deus, pois somente os puros querem vê-lo. Existem recompensas que não mancham os motivos. O amor de um homem por uma mulher não é mercenário porque ele quer casar-se com ela, nem o seu amor pela poesia é mercenário porque deseja lê-la, nem o seu amor pelo exercício é menos desinteressado porque quer correr, saltar e andar. O amor, pela sua própria definição, busca gozar o seu objeto.
Você pode pensar que exista um outro motivo para o nosso silêncio a respeito do céu - a saber -, que não o desejamos realmente. Mas isso pode ser uma ilusão. O que vou dizer agora não passa de uma simples opinião minha, sem a menor autoridade, que submeto ao julgamento de cristãos e estudiosos melhores do que eu. Em certas ocasiões penso que não desejamos o céu; mas, mais vezes ainda, fico imaginando se, em nosso íntimo mais profundo, jamais desejamos outra coisa. Você pode ter notado que os livros de que mais gosta estão unidos por um fio secreto. Você sabe muito bem qual a qualidade comum que 1 Rm 8:18 (A Bíblia Viva).
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faz com que goste deles, embora não possa colocá-la em palavras; mas a maioria de seus amigos não consegue vê-la, e ficam a perguntar-se como, gostando disto, você possa também gostar daquilo. Um dia você pode ter contemplado certo cenário que pareceu englobar tudo o que esteve procurando toda a sua vida; e depois voltou-se para um amigo a seu lado, que parece estar vendo o que você viu mas, às primeiras palavras, um abismo se abre entre os dois, e você percebe que esse cenário significa algo totalmente diverso para ele, que ele está perseguindo uma visão estranha e não se interessa nada pela inefável sugestão que arrebatou você.
Até mesmo em suas diversões, não houve sempre uma atração secreta que os outros curiosamente ignoram - algo que não pode Ser identificado, mas sempre prestes a revelar-se, o cheiro da madeira cortada na oficina ou o bater da água nos lados do barco? As amizades duradouras não nascem sempre no momento em que você finalmente encontra outro ser humano que possui uma certa percepção (embora leve e incerta) daquilo que você nasceu desejando, e que, debaixo do fluxo de outros desejos e em todos os silêncios momentâneos entre as paixões mais articuladas, dia e noite, ano e ano, desde a infância até a velhice, você está procurando, observando, ouvindo? Você jamais teve isso. Tudo o que jamais possuiu profundamente a sua alma não passou de insinuações do mesmo - vislumbres torturantes, promessas que não chegam a cumprir-se, ecos que morreram no momento mesmo em que chegaram a seus ouvidos. Mas se viesse realmente a manifestar-se - se surgisse um eco que não morresse, mas se transformasse no próprio som - você saberia. Além de toda possibilidade de dúvida você diria: "Aqui está finalmente a coisa para a qual fui feito". Não podemos falar uns aos outros sobre ela. É a assinatura secreta de cada alma, o desejo incomunicável e insaciável, a coisa que desejamos antes de encontrar nossas esposas ou fazer nossos amigos ou escolher nosso trabalho, e que continuaremos desejando em nossos leitos de morte, quando a mente não mais conhece esposa, nem amigo, nem trabalho. Enquanto somos, ela é. Se a perdermos, perdemos tudo.2 Esta assinatura em cada alma pode ser um produto da hereditariedade e do ambiente, mas isso simplesmente significa que tanto a hereditariedade como o ambiente estão entre os instrumentos por meio dos quais Deus cria uma alma. Não estou considerando como, mas por que Deus fez cada alma única. Se Ele não tivesse uso para todas essas diferenças, não vejo por que deveria ter criado mais do que uma alma. esteja certo de que as saliências e reentrâncias de sua individualidade não são mistério para Ele; e um dia não o serão também para você. O molde em que uma chave é feita seria estranho para você se nunca tivesse visto uma chave; e a própria chave em si seria também esquisita se nunca tivesse visto uma fechadura. A sua alma tem uma forma curiosa por se tratar de uma cavidade feita para encaixar-se numa protuberância particular nos contornos infinitos da substância divina, ou uma chave para abrir uma das portas na casa com muitas moradas. Pois não é a humanidade de maneira abstrata que deve ser salva, mas você - você, o leitor individual, João da silva ou Maria de Almeida. Bendita e afortunada criatura, seus olhos irão contemplá-lO e somente os seus e não os de outro. Tudo o que você é, com exceção dos pecados, está destinado a saciar-se, Se permitir que Deus realize o Seu bom propósito. O espectro de Broeken "olhava para cada homem como se ele fosse o seu primeiro amor", por 2 Não estou naturalmente sugerindo que esses anseios imortais que nos Foram dados pelo Criador, por sermos homens, devam ser confundidos com os dons do Espírito Santo àqueles que estão em Cristo. Não devemos ter a ilusão de que somos santos por sermos humanos.
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que ela era uma fraude. Mas Deus olhará para cada alma como se fosse o seu primeiro amor, porque Ele é o primeiro amor dela. A sua posição no céu parecerá ter sido feita para você e só para você, porque você foi feito para ela, ponto por ponto, como uma luva é feita para a mão.
É deste ponto de vista que podemos compreender o inferno em seu aspecto de privação. Durante toda a sua vida um êxtase inatingível pairou pouco além do alcance de sua consciência. Está chegando o dia em que despertará para descobrir, além de toda expectativa, que o alcançou, ou então, que estava a seu alcance e você o perdeu para sempre.
Esta poderia ser uma noção perigosamente privada e subjetiva da pérola de grande preço, mas não é. A coisa de que falo não é uma experiência. Você só experimentou o anseio. A coisa em si jamais foi expressa em qualquer pensamento, imagem, ou emoção. Ela sempre o chamou para fora de si mesmo. E se não sair para segui-la, se ficar sentado para meditar sobre o desejo e tentar cultivá-lo, o desejo em si fugirá de você. "A porta para a vida geralmente se abre atrás de nós" e a única sabedoria" para nós "envolta no aroma de rosas invisíveis, é o trabalho."3 Este fogo secreto se apaga quando você usa o fole: abafe-o com o que parece ser um combustível improvável de dogma e ética, Volte-lhe as costas e atenda aos seus deveres, e ele irá arder. O mundo é como um quadro com um fundo dourado, e nós as figuras desse quadro. Até que você saia do plano da tela para as amplas dimensões da morte, não poderá ver o ouro. Mas temos lembretes dele. Para mudar nossa metáfora, o "black-out" não é completo, as trevas não são compactas. Existem frestas. A cena diária parece às Vezes enorme com o seu segredo.
Essa é a minha opinião, e pode estar errada. Talvez este desejo secreto seja parte do Velho Homem e precise Ser crucificado antes do fim. Mas esta opinião tem um modo curioso de impor-se. O desejo - ou talvez mais ainda, a satisfação - Sempre Se recusou a esta por completo presente em qualquer experiência. O que quer que você tente identificar com ele, mostra-se afinal como não Sendo O mesmo, mas outra coisa. Desse modo, qualquer grau de crucifixão ou transformação dificilmente poderia ir além daquilo que O desejo em si nos leva a esperar. E, novamente, se esta opinião não for verdadeira; algo melhor é. Mas "algo melhor" - não esta ou aquela experiência, mas além dela - é quase a definição da coisa que estou tentando descrever.
A coisa almejada por você o chama para fora do "eu". Até mesmo o desejo dela só subsiste se você abandoná-lo. Esta é a lei final a semente morre para viver, o pão deve ser lançado às águas, o que perde a sua alma ganha-la-á. Mas a vida da semente, a descoberta do pão, a recuperação da alma, são tão reais quanto o sacrifício preliminar. Assim é dito com verdade a respeito do céu: "no céu não há sentido de propriedade. Se qualquer um ali viesse a chamar algo de seu, seria imediatamente lançado no inferno e se tomaria um espírito maligno."4 Mas, é também dito: "A todo aquele que for vitorioso darei uma pedra branca, e na pedra estará gravado um nome novo que ninguém mais conhece, a não ser aquele que o recebe".5
O que pode pertencer mais a um homem do que este nome novo que mesmo na eternidade permanece um segredo entre Deus e ele? È qual o significado que devemos dar a esse 3 George MacDonald. Alec Forbes, cap. XXXIII.
4 Theologia Germanica, LI.
5 Ap 2:17
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segredo? Certamente que cada um dos remidos irá conhecer para sempre e louvar algum aspecto da beleza divina mais do que qualquer outra criatura pode fazê-lo. Para o que mais foram os indivíduos criados, senão para que Deus, amando infinitamente a todos, pudesse amar a cada um de maneira diferente? E esta diferença, longe de prejudicar, enche de significado o amor de todas as criaturas abençoadas umas pelas outras, a comunhão dos santos.
Se todos tivessem experiência de Deus da mesma forma e o adorassem de maneira idêntica, o cântico da Igreja triunfante não teria sinfonia, seria como uma orquestra em que todos os instrumentos tocassem a mesma nota. Aristóteles nos informou que uma cidade é uma união de dessemelhanças6, e São Paulo disse que um corpo é uma unidade de membros diferentes7. O céu é uma cidade, e um Corpo, porque os benditos permanecem eternamente diferentes: uma sociedade, porque cada um tem o que contar a todos os demais - notícias frescas e sempre frescas do "Meu Deus" que cada um encontra naquele que todos louvam como o "Nosso Deus". Pois sem dúvida a tentativa continuamente vitoriosa, todavia jamais completada, feita pelas almas individuais no sentido de comunicar sua visão ímpar a todas as outras (e isso através de meios dos quais a arte e a filosofia terrenas não passam de grosseiras imitações), acha-se também entre os propósitos para os quais o indivíduo foi criado.
A união existe apenas entre os dessemelhantes; e, talvez, deste, ponto de vista, tenhamos um vislumbre momentâneo do significado de todas as coisas. O panteísmo não é um credo tanto falso como por completo superado. Outrora, antes da criação, poderia ter sido verdade dizer que tudo era Deus. Mas Deus criou: ele fez com que coisas viessem a diferençar-se dele; a fim de que, sendo distintas, aprendessem a amá-lO, e alcançassem união em lugar de simples igualdade. Assim, Ele também lançou o seu pão por sobre as águas. Mesmo dentro da criação poderíamos dizer que a matéria inanimada que não possui vontade é una com Deus num sentido que os homens não são. Mas não é propósito de Deus que voltemos àquela antiga identidade (como, talvez, alguns místicos pagãos desejariam que fizéssemos), mas que avancemos para a máxima diferenciação, a fim de ali nos reunirmos a Ele de maneira mais elevada. Mesmo no Próprio Ente Santo, não basta que a Palavra deva ser Deus, ela deve também estar com Deus. O Pai gera eternamente o Filho e o Espírito Santo atua: a divindade introduz distinção em si mesma, para que a união dos amores recíprocos possa transcender a mera união aritmética ou a auto-identidade.
A distinção eterna de cada alma - o segredo que faz da união entre cada alma e Deus uma espécie em si mesma - jamais irá porém abolir a lei que proíbe a propriedade no céu.
Quanto aos seus semelhantes cada alma, supomos, irá estar eternamente envolvida em dar a todos os demais aquilo que receber. E quanto a Deus, devemos lembrar que a alma não passa de uma cavidade que é enchida por Ele. Sua união com Deus, quase por definição, é uma auto-entrega contínua, uma abertura, um desvendar, uma rendição, de si mesma. Um espírito abençoado é um molde cada vez mais conformado ao metal brilhante nele despejado, um corpo cada vez mais completamente descoberto ao calor meridiano do sol espiritual. Não precisamos supor que a necessidade de algo análogo à auto-conquista venha a cessar jamais, ou que a vida eterna são seja também a morte eterna. É neste sentido que, da mesma forma que pode haver prazeres no inferno (Deus nos livre deles), pode haver algo levemente parecido à dor no céu (Deus permita que logo possamos experimentá-la).
6 Politics, II, 2, 4
7 I Co 12:12-30
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Na dádiva de nós mesmos, mais do que em qualquer outra coisa, entramos em contato não só com toda a criação, mas com todo o ser. Pois o Verbo Eterno também Se dá a Si mesmo em sacrifício; e isso não apenas no Calvário, pois quando foi crucificado Ele "fez debaixo das intempéries de suas províncias remotas o que fizera em seu lar na glória e com alegria".8 Desde antes da fundação do mundo, Ele entrega a divindade gerada de volta à divindade geradora, em obediência. E da maneira como o Filho glorifica o Pai, assim também o Pai glorifica o Filho.9 Com submissão, como cabe a um leigo, penso que foi dito com verdade: "Deus não amou a si mesmo como sendo Ele mesmo mas como a Excelência; e se houvesse algo melhor do que Deus, Ele amaria a isso e não a Si mesmo."10 Desde o superior até o mais inferior, o ego existe para ser abdicado e, por essa abdicação, se torna tanto mais um verdadeiro "eu", para ser então ainda mais abdicando, e assim para sempre. Esta não é uma lei celestial à qual possamos escapar mantendo-nos terrenos, nem uma lei terrena da qual possamos fugir sendo salvos. O que está fora do sistema de auto-entrega não é terreno, nem natural, nem "vida comum", mas simples e absolutamente inferno. Todavia, até mesmo o inferno deriva desta lei tanta realidade quanto ela possui. Essa prisão brutal no "eu" não passa do anverso da auto-rendição que é a realidade absoluta; a forma negativa tomada pelas trevas exteriores ao cercar e definir a forma do real, ou que o real impõe sobre as trevas ao possuir uma forma e natureza positiva próprias.
A maçã dourada do "eu", lançada entre os falsos deuses, tornou-se um pomo de discórdia porque eles se arremessaram ao mesmo. Não conheciam a primeira regra do jogo sagrado, que estabelece que cada jogador deve sem dúvida tocar a bola e depois passá-la imediatamente adiante. Ser encontrado com ela nas mãos é uma falta: agarrar-se a ela representa a morte. Mas quando ela voa para a frente e para trás entre os jogadores, rápida demais para ser seguida com os olhos, e o grande Senhor, Ele mesmo, libera a brincadeira, dando-se a Si mesmo no sacrifício, do Verbo; então, na verdade, a dança eterna "acalenta o céu com sua harmonia". Todas as dores e prazeres que conhecemos na terra são os movimentos dessa dançai mas a dança em si não pode ser absolutamente comparada aos sofrimentos do tempo presente. À medida que nos aproximamos de seu ritmo não-criado, a dor e o prazer quase desaparecem de vista. Existe alegria nela, mas a dança não existe por causa da alegria. Ele não existe nem mesmo por causa do bem, ou do amor. Mas é o próprio Amor, e o próprio Bem, e portanto feliz. Não existe para nós, mas nós para ela. O tamanho e o vazio do universo que nos atemorizaram no início deste livro devem manter-nos ainda receosos, pois embora possam não ser nada além de um subproduto de nossa imaginação tridimensional, mesmo assim simbolizam uma grande verdade.
O que a nossa Terra é para todas as estrelas, sem dúvida assim somos nós os homens e nossas preocupações para toda a criação; o que as estrelas representam para o próprio espaço, assim são todas as criaturas, todos os tronos e poderes e excelências dos deuses criados, em relação ao abismo do Ser que existe por si mesmo, que é para nós Pai e Redentor e Consolador, mas de quem nenhum homem ou anjo pode dizer nem conceber o que Ele é em Si mesmo e para Si mesmo, ou qual é a obra que Ele "fez desde o começo até o fim". Pois todas essas são coisas derivadas e sem substância. A sua visão falha e elas

8 George MacDonald. Unspoke Sermons. 3rd Series, págs. 11,12.
9 Jo 17 :1 ,4,5
10 Theol. Germ. , XXXII
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cobrem os olhos para escapar da luz intolerável da realidade absoluta, que era e é e será, que nunca poderia ter sido de outro modo, que não tem oposto.



Apêndice


(Esta nota sobre os efeitos da dor foi gentilmente fornecida pelo Dr. R. Havard, através de suas experiências médicas.)
A DOR é um acontecimento comum e definido que pode ser facilmente reconhecido: mas a observação do caráter ou comportamento é mais difícil, menos completa e menos exata, especialmente na relação transitória, embora íntima, entre médico e paciente. Apesar desta dificuldade, certas impressões tomam gradualmente forma no curso da prática médica, as quais são confirmadas à medida que a experiência cresce. Um curto ataque de dor física intensa é terrível enquanto dura. O sofredor no geral não se queixa em voz alta.
Ele pede alívio, mas não gasta o fôlego falando sobre seus males. É raro que perca o autocontrole, tornando-se irracional e fora de si. É difícil que a dor mais aguda se torne neste sentido insuportável. Quando a dor física curta, severa, passa, ela não deixa qualquer alteração evidente no comportamento. A dor longa e contínua tem efeitos mais visíveis. Ela é com freqüência aceita com pouca ou nenhuma queixa e grande força e resignação se desenvolvem na pessoa.
O orgulho se humilha ou, às vezes, resulta numa determinação de esconder o sofrimento. As mulheres com artrite reumatóide mostram um entusiasmo tão característico que pode ser comparado à spes phthisica dos tuberculosos: sendo talvez mais devido a uma leve intoxicação do paciente provocada pela infeção do que a um acréscimo na sua força de caráter. Algumas vítimas de dores crônicas deterioram-se. Elas se tornam lamurientas e exploram a sua posição privilegiada de inválidas para praticar a tirania no lar. Mas o que admira é o fato de os fracassos serem tão poucos e tantos os heróis; existe um desafio na dor física que a maioria pode reconhecer e reagir proporcionalmente a ele. Por outro lado, uma doença longa, mesmo sem dor, exaure tanto a mente como o corpo. O inválido desiste de lutar e se deixa cair indefeso e queixoso num desespero de autopiedade.
Mesmo assim, numa condição física idêntica, alguns irão preservar sua serenidade e abnegação até o fim. Esta é uma experiência rara de ser observada, mas sempre comovente. O sofrimento mental é menos dramático do que o físico, mas é mais comum e também mais difícil de suportar. A tentativa freqüente de esconder o sofrimento mental aumenta o fardo. É mais fácil dizer: "Meu dente está doendo" do que "Meu coração está partido". Todavia, se a causa for aceita e enfrentada, o conflito irá fortalecer e purificar o caráter e com o tempo a dor geralmente passará. Algumas vezes, entretanto, ela persiste e o efeito é devastador. Se a causa não for enfrentada ou reconhecida, produz o estado melancólico do neurótico crônico. Alguns, porém, heroicamente, superam até mesmo o sofrimento mental crônico. Essas pessoas com freqüência trabalham com brilhantismo e fortalecem, endurecem e aguçam seu caráter até que se tomam como aço temperado.
Na verdadeira insanidade o quadro é mais negro. Em todo o reino da medicina não existe nada mais terrível de contemplar do que um indivíduo com melancolia crônica. Mas a maioria dos insanos são é infeliz ou, na verdade, cônscia de sua condição. Em qualquer caso, se se recuperam, vemos com surpresa que sofrem pouca modificação. Muitas vezes não se lembram absolutamente de sua doença.
O sofrimento oferece uma oportunidade para o heroísmo; e essa oportunidade é aceita com surpreendente freqüência.

1 Comments:

Blogger nazareth bessa said...

bom dia
paz e alegria
estou procurando conheçer MADAME GUION. VIVO NA AMAZÕNIA E AQUI SONHO E BUSCO O AMOR MAIOR PARA TODOS OS SERES NO COSMO . AMOR PARA CLAUDIA ECRIANÇAS. nazareth bessa.

8:04 AM  

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