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sábado, maio 13, 2006

Capítulo 16

OS PEREGRINOS CHEGAM ÀS MONTANHAS APRAZÍVEIS

Seguiram então seu caminho e, chegando até às Montanhas Aprazíveis, terras pertencentes ao Senhor do morro de que já falamos lá atrás, subiram-nas para ver os jardins e os pomares, os vinhedos e as fontes de água pura, onde também beberam e se banharam, comendo livremente dos frutos das vinhas.
Nos cumes dessas montanhas, pastores apascentavam seus rebanhos, bem ao lado da estrada. Os peregrinos, portanto, foram ter com eles e, apoiados nos seus cajados (algo comum aos peregrinos exaustos, quando param para conversar com alguém pelo caminho), perguntaram:
- De quem são estas Montanhas Aprazíveis e as ovelhas que pastam por aqui?
pastor - Estas montanhas são a Terra de Emanuel e podem ser vistas da cidade Celestial. As ovelhas também pertencem a ele e por elas ele deu a própria vida.
cris. - É este o caminho para a Cidade Celestial?
pastor - Vocês estão no caminho certo.
cris. - Quanto ainda falta para chegar lá?
pastor - Muito em se tratando de qualquer pessoa, mas muito pouco para os que de facto chegarão.
cris. - É seguro ou perigoso o caminho?
pastor - Seguro para aqueles aos quais deve ser seguro, "mas os transgressores nele cairão" (Os.14:9).
cris. - Acaso há neste lugar algum alívio para peregrinos exaustos e abatidos?
pastor - O Senhor destas montanhas nos deu uma incumbência: "Não negligencieis a hospitalidade" (Hb.13:2). Portanto tudo o que há de bom neste lugar é para vocês.
Vi também no meu sonho que, percebendo os pastores que os dois eram peregrinos, propuseram-lhes algumas perguntas (que os dois, como noutros lugares, responderam): de onde vinham, como haviam entrado no caminho e como conseguiram perseverar até ali, pois poucos dos que começavam, conseguiam alcançar aquelas montanhas. Mas, ao ouvir as respostas, os pastores, muito maravilhados, olharam os dois com muito carinho e disseram:
- Sejam bem-vindos às Montanhas Aprazíveis. – Os pastores, cujos nomes eram Conhecimento, Experiência, Atento e Sincero, tomaram os dois peregrinos pelas mãos e os levaram até as suas tendas, partilhando com eles aquilo que tinham à mão. Depois ainda disseram:
- Gostaríamos que vocês ficassem aqui por algum tempo, para nos conhecermos mais e também para que vocês se consolem com as boas coisas destas Montanhas Aprazíveis.
Os dois concordaram e disseram que gostariam muito de ficar. Em seguida foram dormir, pois já era bastante tarde.
Vi então no meu sonho que, de manhã, os pastores chamaram Cristão e Esperançoso para caminhar com eles pelas montanhas. Assim os dois peregrinos acompanharam os pastores e passearam um pouco, admirando agradáveis paisagens por todos os lados. Então os pastores comentaram entre si:
- Será que devemos mostrar algumas maravilhas a esses peregrinos?
Decidindo fazê-lo, primeiro os levaram até o cume de uma colina, chamada Erro, que era bastante íngreme no lado oposto. Lá em cima, pediram que os dois olhassem para o precipício. Olhando, Cristão e Esperançoso viram lá em baixo vários homens despedaçados pela queda que sofreram lá do cume.
- O que significa isso? – Questionou Cristão.
- Não ouviram falar daqueles que foram levados ao erro por dar ouvidos a Himeneu e Fileto com respeito à fé na ressurreição do corpo? - Perguntaram os pastores.
- Já – responderam os peregrinos.
- Pois aqueles que vocês vêem despedaçados lá no fundo do precipício são eles. Até hoje permanecem insepultos (como vocês podem ver) como exemplo para os outros, para que tomem cuidado ao subir demais, ou ao aproximar-se demais da beirada deste precipício.
Vi então que os levaram até o pico de outra montanha, chamada Cautela. Ali pediram-lhes que olhassem ao longe. Mirando, julgaram divisar vários homens perambulando entre os túmulos que havia ali. Perceberam que os homens eram cegos, pois às vezes tropeçavam nas sepulturas, sem jamais conseguir se afastar delas.
- O que significa isso? – Intrigou-se Cristão.
- Não viram um pouco abaixo dessas montanhas uma escada que conduz até um prado, à esquerda do caminho? – Perguntaram-lhe os pastores.
- Vimos sim – disseram os dois.
- Dessa escada parte uma trilha que leva directamente até o Castelo da Dúvida, guardado pelo gigante Desespero. Esses homens (apontando os que perambulavam por entre os túmulos) eram também peregrinos como vocês, até chegarem àquela escada. Por ser o caminho recto acidentado naquele trecho, preferiram desviar-se e entrar no prado e ali foram pegos pelo gigante Desespero e atirados no Castelo da Dúvida.
- Depois de permanecer certo tempo no calabouço – contaram-lhes os pastores – foram afinal cegados e levados até aqueles túmulos, onde até hoje perambulam perdidos. Isso para que se cumprisse o ditado do sábio: "O homem que se desvia do caminho do entendimento, na congregação dos mortos repousará" (Pv.1:16). Então Cristão e Esperançoso se entreolharam, os olhos marejados, mas nada disseram aos pastores.
Vi também no meu sonho que os pastores os levaram a outro lugar, num vale, onde se via uma porta na encosta de um morro. Abriram a porta e pediram aos peregrinos que olhassem lá dentro. Olhando, viram queo interior era sombrio e fumarento. Pensaram ouvir lá de dentro também ruídos continuados, como o crepitar de labaredas e os gritos de homens atormentados, subindo-lhes às narinas um cheiro de enxofre.
- O que significa isso? – Quis saber Cristão.
- Eis aí um atalho para o inferno – responderam os pastores – caminho que tomam os hipócritas; gente que, como Esaú, vende o direito de primogenitura; gente que vende o próprio Mestre, como Judas; gente que blasfema o Evangelho, como Alexandre; e gente que mente e dissimula, como Ananias e Safira, sua mulher.
esp. - Vejo que esses tinham, todos eles, a aparência de peregrinos como nós, não? – Perguntou Esperançoso aos pastores.
pastor - Tinham e a mantiveram por longo tempo também.
esp. - Até que ponto puderam seguir na peregrinação antes de se perder assim tão miseravelmente?
pastor - Alguns foram além destas montanhas, outros nem chegaram até aqui. – Então disseram consigo os peregrinos:
— Convém pedir força àquele que é poderoso.
pastor - Sim e também precisam usá-la quando a tiverem disponível.
A essa altura os peregrinos manifestaram desejo de prosseguir, com o que concordaram os pastores. Juntos caminharam até o final das montanhas. Então comentaram entre si os pastores:
- Mostremos daqui aos peregrinos os portões da Cidade Celestial. Vejamos se eles conseguem usar o nosso telescópio.
Os dois, agradecidos, aceitaram o convite. Então os levaram ao cume de uma alta colina, chamada Transparência e lhes deram um telescópio. Tentaram usar o instrumento, mas a lembrança da última coisa que os pastores lhes mostraram fez tremer as suas mãos.
Sem conseguir segurar com firmeza o telescópio, não obtiveram uma imagem nítida, mas mesmo assim vislumbraram algo semelhante a um portão e entreviram também algo da glória do lugar. E assim preparavam-se já para partir, cantando:
Assim nos revelaram os pastores os segredosQue os homens desconhecem no seu degredo.Buscai os pastores, pois, se quereis ver um diaCoisas profundas, coisas ocultas e arredias.
Porém, antes que partissem, um dos pastores lhes deu informações sobre o caminho. Outro os aconselhou a tomar cuidado com Adulador. O terceiro lhes recomendou que cuidassem de não dormir sobre o Solo Enfeitiçado. E o quarto lhes desejou boa sorte. Então despertei do meu sonho.