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sábado, maio 13, 2006

Caoítulo 4

CRISTÃO CHEGA FINALMENTE À PORTA ESTREITA


Cristão afinal alcançou a porta. Ora, acima do portão estava escrito: "A quem bate, abrir-se-lhe-á" (Mt.7:8). Portanto ele bateu, mais de uma ou duas vezes, dizendo:
Posso entrar? Quem do outro lado está
Que para um pobre homem a porta abrirá?
Rebelde sei que sou, mas isto prometo:
Louvá-lo para sempre com mil sonetos.
Afinal apareceu à porta um homem circunspecto, de nome Boa Vontade, perguntando quem lá estava, de onde vinha e o que pretendia.
cris. — Eis aqui um pobre pecador sobrecarregado. Venho da Cidade da Destruição, mas rumo para o monte Sião, para ali me libertar da ira que há de vir. Portanto, senhor, como fui informado de que por esta porta passa o caminho até lá, ouso pedir que me deixe passar.
boa vontade — É de todo o coração que o faço — disse ele, já abrindo a porta1. Então, quando Cristão entrava, o homem o puxou.
- Por que isso? — Perguntou Cristão.
- A pouca distância daqui ergue-se um sólido castelo, capitaneado por Belzebu.2 De lá ele e os que o acompanham atiram flechas contra aqueles que chegam até esta porta, para que assim morram antes de entrar.
- Alegro-me e tremo. Estando Cristão já lá dentro, o homem da porta lhe perguntou:
- Quem o mandou aqui?
cris. — Evangelista mandou-me vir até aqui e bater, como fiz. Ele garantiu-me que o senhor me diria o que devo fazer.
boa vontade - Diante de você há uma porta aberta, que ninguém pode fechar (Ap.3:8).
cris. - Agora começo a colher os benefícios dos riscos que corri.
boa vontade - Mas por que veio sozinho?
cris. - Nenhum dos meus vizinhos viu, como eu, o perigo que correm.
boa vontade - Acaso alguém dentre eles soube da sua vinda?
cris. - Sim, minha mulher e meus filhos me viram sair e me chamaram de volta. Também alguns dos meus vizinhos ficaram lá gritando, chamando-me de volta; mas tapei os ouvidos e segui meu caminho.
boa vontade - Mas nenhum deles o seguiu para convencê-lo a voltar?
cris. - Seguiram-me Obstinado e Volúvel. Porém quando viram que não conseguiam me demover, Obstinado voltou praguejando, mas Volúvel acompanhou-me ainda um pouco.
boa vontade - Por que, então, ele não chegou até aqui?
cris. - Na verdade vínhamos juntos, até chegarmos ao Pântano do Desânimo, onde caímos de repente. Então meu vizinho Volúvel desanimou-se e não quis aventurar-se além.3 Assim, saindo do pântano no lado mais próximo da sua casa, ele me disse que eu poderia tomar posse sozinho, por ele também, da terra magnífica. Então ele seguiu seu caminho, e eu tomei o meu. Ele atrás de Obstinado, eu até esta porta.
boa vontade - Pobre coitado. Será que tem ele a glória celeste em tão pouca estima que julgou não valer a pena enfrentar o risco de algumas dificuldades para alcançá-la?
cris. - Certamente. Falei a verdade sobre Volúvel, mas também quero falar toda a verdade sobre mim, pois aí se verá que eu não sou nem um pouco melhor do que ele. É verdade que ele voltou para casa, mas também eu me desviei e tomei o caminho da morte. Fui convencido pêlos argumentos mundanos de um certo Sr. Sábio-se-gundo-o-mundo.
boa vontade - Ah, então ele o abordou! Ora, certamente ele o teria mandado buscar alívio pelas mãos do Sr. Legalidade. Os dois são grandes enganadores. Mas então você aceitou seus conselhos?
cris. - Aceitei, até onde me restou coragem. Saí à procura do tal Sr. Legalidade, mas, chegando perto da casa dele, pensei que a montanha que se ergue ali fosse cair sobre mim, então fui forçado a parar.
boa vontade - Essa montanha já representou a morte de muita gente e será ainda morte para muitos mais. Sorte você não ter sido esmigalhado por ela.
cris. - Bem, na verdade não sei o que seria de mim se, por sorte, Evangelista não tivesse me encontrado ali novamente, quando eu já me via perdido. Mas foi por misericórdia divina que ele chegou até mim outra vez, senão eu jamais teria chegado até aqui. Porém aqui estou eu, que mais merecia a morte naquela montanha do que estar aqui conversando com o meu Senhor. Quanta graça encontrei: ser-me permitido entrar aqui!
boa vontade: - Não levantamos objecções contra ninguém. Pouco importa tudo o que tenham feito antes de vir aqui, pois de modo nenhum são lançados fora (João 6:37). Sendo assim, meu bom Cristão, venha comigo que lhe ensinarei algo sobre o caminho que você deve trilhar. Olhe à frente. Está vendo este caminho estreito? É este o caminho que você deve tomar. Foi aberto pêlos patriarcas, pêlos profetas, por Cristo e seus apóstolos, e é tão recto quanto o pode fazer uma régua. É este o caminho que você deve seguir.
cris. - Mas não há desvios nem curvas que me façam perder o caminho?
boa vontade - Há, sim, muitos caminhos que partem deste para baixo. São caminhos sinuosos e largos. Mas você poderá distinguir o errado do certo assim: só este é recto e estreito (Mt.7:13-14).
Então vi no meu sonho que Cristão lhe perguntava ainda se ele não poderia ajudá-lo a aliviar o fardo que trazia às costas, pois até então não se livrara dele, nem poderia de modo nenhum tirá-lo sem auxílio. Boa Vontade lhe disse:
- Quanto ao fardo, contente-se em carregá-lo, até chegar ao local da libertação4 pois lá por si só cairá das suas costas.
Então Cristão se preparou para iniciar a caminhada. Boa Vontade disse-lhe que, estando já a certa distância da porta, chegaria à casa de Intérprete. Ali deveria bater, pois o anfitrião lhe mostraria coisas excelentes. Assim Cristão despediu-se do amigo, que novamente lhe desejou boa sorte.