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sábado, maio 13, 2006

Capítulo 2

CRISTÃO CHEGA AO PÂNTANO DA DESCONFIANÇA.


O homem, então, começou a correr. Ora, nem havia ainda se distanciado da porta de casa, quando sua mulher e seus filhos, percebendo, começaram a gritar-lhe que voltasse. Mas o homem tapou os ouvidos com os dedos e continuou correndo, berrando: "Vida, vida, vida eterna". Assim não olhou para trás, mas corria para o centro da campina (Gen.19:17).
Os vizinhos também vieram vê-lo correr1 e enquanto corria, alguns escarneciam, outros ameaçavam, outros ainda gritavam-lhe que voltasse. Ora, entre esses, dois decidiram trazê-lo de volta à força. O nome de um deles era Obstinado e o outro se chamava Volúvel. Contudo, a essa altura, o homem já estava a boa distância deles, mas mesmo assim eles resolveram persegui-lo e o fizeram e em pouco tempo o alcançaram. Disse-lhes o homem:
- Vizinhos, por que vieram atrás de mim?
- Para convencê-lo a voltar connosco.
- Isso não é possível. Vocês moram na Cidade da Destruição (Is.19:18, ARC), local onde também eu nasci. Percebo isso e lhes digo que, morrendo ali, mais cedo ou mais tarde vocês afundarão além da sepultura, até um lugar que queima com fogo e enxofre. Alegrem-se, bons vizinhos e acompanhem-me.
- O quê?! - Disse Obstinado. - Deixar nossos amigos e nosso conforto para trás?!
- Isso mesmo – disse Cristão (pois era esse o seu nome) – porque tudo isso que vocês abandonarão não é digno de se comparar nem com um mínimo daquilo que busco desfrutar. Se vocês vierem comigo e o alcançarem, desfrutarão também assim como eu, pois lá para onde vou há bastante e de sobra. Venham e comprovem as minhas palavras.
obs. – Que coisas são essas que você procura e pelas quais abandona o mundo todo?
cris. – Busco uma "herança incorruptível, sem mácula, imarcescível", (1 Ped.1:4) e ela está guardada no céu, em segurança, para ser distribuída no tempo devido àqueles que a perseguirem com zelo. Leiam, se quiserem, no meu livro.
obs. - Dane-se o seu livro. Vai voltar connosco ou não?
cris. - Não, não vou, pois já pus a mão no arado (Lc.9:62).
obs. - Não adianta, meu vizinho Volúvel. Retornemos para casa sem ele. Há uma multidão desses tolos alucinados e quando se convencem de uma fantasia, ficam mais sábios aos seus próprios olhos do que sete homens que sabem expor a razão (Pv26:16).
vol. - Não o insulte. Se o que o bom Cristão diz é verdade, as coisas que ele procura são melhores que as nossas. Meu coração se inclina a acompanhar o meu vizinho.
obs. - O quê?! Há mais tolos então? Ouça-me e volte. Quem é que sabe aonde um homem tão mentalmente doente poderá levá-lo? Volte, volte, e seja sábio.
cris. - Acompanhe-me, vizinho Volúvel. Além do que já lhe falei, há muito mais glórias a alcançar. Se você não crê em mim, leia então este livro e pela verdade do que está expresso aqui, veja que tudo está confirmado pelo sangue do seu autor.
vol. - Ora, vizinho Obstinado, estou prestes a tomar uma decisão. Pretendo seguir com este bom homem e arriscar com ele a minha sorte. Mas, bom companheiro, você acaso sabe o caminho até esse lugar almejado?
Cris. - Sou guiado por um homem chamado Evangelista. Ele nos conduzirá até uma pequena porta que está adiante de nós. Lá receberemos instruções acerca do caminho.
vol. - Vamos então, bom vizinho, partamos agora. E partiram os dois.
obs. - Quanto a mim, vou voltar para casa. Não servirei de companhia para homens fantasiosos e perdidos.

Ora, vi então no meu sonho que, depois que Obstinado se foi, Cristão e Volúvel cruzaram a campina e assim iam conversando:
cris. - E então, vizinho Volúvel, como tem passado? Fico feliz por você ter se convencido a vir comigo. Se o próprio Obstinado sentisse o que senti diante dos poderes e terrores daquilo que ainda não se vê, ele não teria nos virado as costas assim tão levianamente.
VOL. - Como aqui não há ninguém além de nós, vizinho Cristão, diga-me que coisas são essas e como desfrutá-las no lugar aonde vamos.
cris. - Posso melhor concebê-las com a mente do que expressá-las com palavras. Mas como assim mesmo você deseja saber, vou lê-las no meu livro.
VOL. - E você cré que as palavras do seu livro são absolutamente verdadeiras?
cris. - Sim, certamente, pois foram escritas por aquele que não pude mentir Tt.1:2 .
vol. - Muito bem: que coisas são essas?
cris. - Receberemos uma vida eterna e viveremos, para sempre, num reino sem fim.
vol - Muito bem: e o que mais?
cris. - Há coroas de glória que nos serão dadas e vestes que nos farão brilhar como o sol no firmamento do céu.
vol. — Isso é excelente. E o que mais?
cris. — Não haverá mais choro nem pesar, pois aquele que é proprietário do lugar nos enxugará dos olhos toda lágrima (Ap.21:4).
vol. - E quem teremos ali por companhia?
cris. - Lá conviveremos com serafins e querubins, seres que de tão brilhantes ofuscarão nossos olhos. Lá você também encontrará milhares e dezenas de milhares que chegaram antes de nós; nenhum deles é agressivo, mas santo e amoroso; todos eles andam à vista de Deus e permanecem aceitos na sua presença para sempre. Resumindo, lá veremos os anciães com suas coroas de ouro. Lá veremos as santas virgens com suas harpas de ouro (Ap.4:4, 5:11, 14:1-5). Lá veremos homens que pelo mundo foram retalhados e queimados, devorados por animais e afogados nos mares, devido ao amor que tinham ao Senhor do lugar. Agora todos estão bem e vestidos de imortalidade.
vol. - Só ouvir isso já arrebata o coração de qualquer homem. Mas podemos desfrutar dessas coisas? Como poderemos consegui-las?
cris. - O Senhor, soberano daquela terra, registrou isso neste livro. A essência é seguinte: se verdadeiramente nos mostrarmos dispostos a tê-las, ele as concederá gratuitamente a nós.
vol. - Ora, meu bom companheiro, estou contente por ouvir essas coisas. Vamos, apressemos o passo.
cris. - Não posso ir tão rápido quanto gostaria, por causa deste fardo que trago às costas.
Então vi no meu sonho que, assim que encerraram essa conversa, aproximaram-se de um pântano muito lamacento que havia no meio da campina; e, estando os dois desatentos, caíram de repente no brejo. O nome do pântano era Desânimo. Ali, portanto, viram-se atolados por algum tempo, ficando repugnantemente enlameados. Cristão, por causa do fardo que trazia às costas, começou a afundar no lodo.
vol - Ei, vizinho Cristão, onde você está ?
cris. - Na verdade, não sei dizer. Diante disso Volúvel ofendeu-se e, irritado, disse ao companheiro:
- É essa a felicidade de que você vinha me falando? Se logo na partida já nos retardamos tanto, que podemos esperar daqui até o final da jornada? Se eu escapar com vida, você pode ficar com a minha parte dessa terra magnífica.2
E, dizendo isso, num esforço desesperado saiu do lamaçal, na margem do pântano que ficava mais perto da sua casa. E lá foi ele. Cristão nunca mais o viu. Assim a Cristão restou atolar-se sozinho no pântano do Desânimo: mas assim mesmo se esforçava por alcançar a margem do pântano mais distante da sua casa e mais perto da porta estreita. Ele realmente chegou lá, mas não conseguia sair, por causa do fardo que trazia às costas. Mas vi no meu sonho que dele se aproximou um homem, cujo nome era Auxílio, que lhe perguntou o que fazia ali.
cris. - Senhor, recebi ordens de seguir por este caminho de um homem chamado Evangelista. Ele também me orientou a alcançar a porta distante, para que eu possa escapar da ira vindoura. E para lá seguia quando caí aqui.
Aux. - Mas por que você não procurou as pegadas?3
cris. - O medo que me acompanhava era tão forte que fugi pelo caminho mais próximo e caí.
Aux. - Então dê-me a sua mão. Auxílio estendeu-lhe a mão e puxou Cristão, colocando-o em solo firme e ordenando-lhe que seguisse o seu caminho (SI 40:2).
Então aproximou-se daquele que o tirou do pântano e disse:
- Senhor, se este é o caminho da Cidade da Destruição até a porta distante, por que o terreno não está aplainado para que os pobres viajantes sigam para lá com mais segurança?
Ele respondeu:
- Esse pântano lamacento é lugar que não pode ser aterrado. E a depressão para a qual correm continuamente a escória e a imundície que acompanham a condenação do pecado, por isso chama-se Pântano do Desânimo. À medida que o pecador desperta para a sua perdição, surgem na sua alma muitos medos, dúvidas e desanimadoras preocupações e todas se reúnem e se acomodam neste lugar. Essa é a razão da ruindade desse terreno.
- Não se agrada o Rei de que este lugar permaneça assim tão ruim – disse. – Seus operários, sob ordens dos inspectores de sua majestade, também vêm trabalhando ao longo desses 1600 anos neste terreno, para – quem sabe – aplainá-lo. Sim e segundo sei, aqui já afundaram pelo menos 20 mil cargas de carroções e ainda milhares e milhares de saudáveis ensinamentos que foram trazidos em todas as estações e de todos os lugares dos domínios do Rei. Os que sabem contar dizem que esses são os melhores materiais para aterrar o lugar. Se fosse assim, já poderia ter sido aterrado, mas continua ainda o Pântano do Desânimo e assim continuará quando já tiverem feito o que podem fazer.
- É verdade que há, por ordem do legislador, certas pegadas boas e essenciais, 1 espalhadas mesmo aí no meio desse Pântano – continuou – mas quando esse lugar vomita a sua imundície, como o faz quando muda o tempo, dificilmente se vêem as pegadas. Mesmo quando estão visíveis, os homens, por causa da tontura que sentem, passam directo e, apesar de as pegadas estarem ali, acabam atolados na lama. Mas o solo é bom quando eles afinal alcançam a porta."
Depois vi no meu sonho que, a essa altura, Volúvel chegava à sua casa. Então seus vizinhos vieram vê-lo, e alguns deles o chamaram sábio por ter voltado, e outros o chamaram tolo por arriscar-se ao lado de Cristão; outros chegavam a zombar da sua covardia, dizendo:
- Certamente, depois de iniciada a aventura, eu não seria vil a ponto de desistir diante de umas poucas dificuldades.
Então Volúvel, acovardado, sentou-se no meio deles. Mas afinal ganhou mais confiança e então todos eles mudaram as suas palavras e passaram a ridicularizar pelas costas o pobre Cristão. E faziam o mesmo com Volúvel